domingo, 9 de janeiro de 2011

Covardia

E ele tinha medo da dor. Uma espécie de agliofobia. Um covarde, que preferia o marasmo da vida às emoções intensas. Tudo em sua vida era uma calmidão, como um fim de tarde em uma cidade interiorana. Nada era extremo, exagerado, intenso, vibrante. Preso à rotina, ele gostava daquilo tudo, pois era confortante, seguro. Ele tinha consciência de sua covardia e não se incomodava com isso. Para que se incomodar? Evita pessoas para poupar futuras dores. Não gostava de dores físicas. Não suportava as dores emocionais. A queimação no peito, a angústia que transpassava a garganta, as mãos suadas, os batimentos descontrolados eram tortura para aquele pobre homem. Evita olhar para si próprio, não queria incômodo. Tinha medo do que podia descobrir de si próprio. Covarde, covarde, covarde, ele dizia para si. Por sua covardia, deixara passar o emprego dos sonhos, o amor da sua vida, grandes amigos. Covarde, covarde, covarde. Odiava a agitação das cidades, o trânsito voraz, o ambiente competitivo das grandes coorporações, os indivíduos exibidos das academias, as pessoas fúteis das baladas. Na verdade ele odiava quase tudo. Seus poucos amigos, algumas pessoas tão estranhas quanto ele, tinham em comum algumas feridas e o medo iminente. Ele sofrera pouco, mas já achara suficiente. Acreditava que não valia a pena atravessar o fogo para conseguir algo. Era mais seguro permanecer quieto e esperar algo cair do céu. E ele esperava. Ficava sempre encolhido, sempre ao lado da oportunidade, esperando cair algumas migalhas. Covarde, covarde, covarde. Certa vez relacionou-se com uma bela mulher, latina, intensa, belo corpo, sonhadora, porém decidida e que não desistia do que queria. Ela era tudo o que ele poderia pensar em ser, mas para evitar desconfortos a ideia nem passou pela sua cabeça. Ela apareceu em sua vida de maneira inexplicável. Ele nem tentara entender, mas aproveitou a oportunidade, não porque ele merecia. Ele tinha consciência disso. Covarde, covarde, covarde. Tentara mante-la próxima, mas não tinha experiência e estrutura para isso. Assistira ela partir. Ele podia chorar, mas iria doer. Aquele choro podia salvar tudo. Cada um seguiu seu rumo. Ela, intensa como sempre, foi a procura de um novo amor e de outros sonhos. Ele, permaneceu em seu canto escuro à espera de uma possível outra oportunidade. Ele era paciente. Covarde, covarde, covarde. Um ano depois ela faleceu em um acidente de carro. Enquanto transava loucamente em seu carro, que estava parado em uma estrada, outro veículo desgovernado atingiu em cheio o casal. Morte instantânea. Quanto ao nosso covarde, este viveu por mais 30 anos. Conseguiu uma companhia razoável para dividir a vida, alcançou um cargo razoavel, teve filhos razoáveis, uma hipoteca razoável. Covarde, covarde, covarde. Razoável, razoável, razoável. No fim, ambos foram para o mesmo lugar. Pessoas diferentes, vidas diferentes e o mesmo fim, o esquecimento.

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